Como o pequeno varejo pode sobreviver aos impactos da tecnologia.
No Brasil, onde há mais consumidores conectados do que na China, não dá para continuar fazendo tudo do mesmo jeito. Uma boa gestão e uma loja física atrativa em sinergia com o digital são os pontos-chave para continuar competitivo
O consumidor chega na loja de Uber. Pede comida pelo iFood. Faz posts dos produtos mais interessantes no Instagram ou outras redes sociais. E, no mínimo, não vive sem Whatsapp.
A colocação, do especialista Caio Camargo, sócio-diretor da GS&UP, define o novo momento do consumidor, ultraconectado e cada vez mais em busca de experiências e conveniência. Mas e a sua loja, está preparada para realidade virtual, superapps ou a integração entre on e offline - ou seja, os impactos da tecnologia?
Se alinhar-se às mudanças já é uma tarefa complexa para os grandes players, afirma Camargo, especialista em startups voltadas ao varejo e consumo, imagine o pequeno varejista que, mesmo consciente da necessidade de se atualizar, muitas vezes tem energia e capital de investimento restritos para fazer grandes avanços nesse sentido.
"É lógico que existem varejistas e varejistas. Haverá sempre os que já nascem antenados com o que está acontecendo, desafiando o mercado com novas propostas ou novos modelos de negócios", destaca. "Mas o que vai acontecer com a imensa maioria que vem fazendo tudo do mesmo jeito há anos, até mesmo décadas? Por onde começar?"
Segundo o especialista da GS&UP, a maior mudança está nas questões sobre como o cliente deseja pagar e receber por produtos e serviços: o tempo é o agora, e a forma é cada vez mais digital, através de aplicativos e celulares.
Muitos varejistas estão se transformando pela adesão a serviços de entregas, como Rappi, iFood, James Delivery, entre outros, afirma. Mas, em sua avaliação, esse não é um movimento que parte do que o varejista entende sobre o que é bom para o negócio, e sim do desejo dos clientes de que as marcas com quem se relacionam estejam disponíveis nesses apps. Se o varejista não está lá, há sempre o risco da concorrência ganhar oportunidade com esse cliente.
"Manter-se antenado e competitivo não é uma das tarefas mais fáceis", diz. "Mas, se antes era algo que parecia opcional ou aspiracional, hoje se mostra cada vez mais necessário para a sobrevivência dos negócios. A hora é agora."
A seguir, confira os principais pontos de atenção para sobreviver a esse impacto e continuar na briga:
RESISTIR JAMAIS
Mesmo em comércios que são unanimidade e ainda trabalham de forma tradicional, como a 25 de Março, os sites, o showrooming e os posts no Instagram ou em outras redes sociais já são parte integrante de cenário.
Mas, se não há dúvidas que o consumidor está mais preparado para novas tecnologias do que o lojista, também é fato que há muita resistência de boa parte do varejo em incorporá-las ao dia a dia dos negócios, diz Camargo, da GS&UP.
“Eles só optam em adotar algo quando fica praticamente impossível operar sem, como sistemas ou novos hardwares.”
Isso porque há muitos varejistas de pequeno e médio porte que se sentem distantes do mundo da tecnologia, temendo por altos custos ou complexidade na operação. Com isso, o varejista fica cada vez mais distante do consumidor que, por sua vez, se torna cada vez mais digitalizado.
“O varejo tem que entender que o consumidor dele, não importa onde esteja, já chega na loja de Uber, pede comida pelo iFood ou, no mínimo, não vive sem o WhatsApp ou alguma rede social”, destaca. “Mais de 74% dos brasileiros estão conectados na Internet, um número muito maior do que a média global ou na China, que tem cerca de 56% de pessoas conectadas – o que dá uma ideia da transformação que um varejo que busca se digitalizar pode ganhar com isso.”
O PODER DA EXPERIÊNCIA
Já ficaram para trás, e não faz muito tempo, frases fatalistas como “o varejo físico vai morrer”, “o apocalipse do varejo” ou “o digital vai dominar o mercado”. Passaram-se pouco mais de cinco anos, mas esse curto período já ajudou a provar que o que realmente aconteceria é a sinergia entre o on e offline nos negócios, segundo Caio Camargo.
“A questão da experiência se mostra ainda essencial. A loja não vai deixar de existir, mas cumpre um papel muito mais complexo do que apenas ser um ponto de venda. Talvez esse seja um dos maiores riscos”, afirma.
O maior erro, em sua opinião, é começar a apostar na tecnologia como fim, e não como meio. “Os desejos básicos dos consumidores ainda são os mesmos: serem bem atendidos, comprarem de forma conveniente e prática e receber da mesma forma, a tecnologia deve ser aliada para conquistar o consumidor”, explica, citando como exemplo os terminais de autoatendimento, meios de pagamento mais simplificados e soluções tecnológicas para melhor atendimento e entrega.
“Mas quem ainda opera a loja só como ponto de distribuição entre alguém que produziu algo e alguém que vai comprar - ou seja, um amontoado de produtos distribuídos entre gôndolas e prateleiras - são os que mais correm riscos de sumirem do mercado”, alerta.
Oferecer um “algo a mais”, ou um verdadeiro motivo para alguém sair de casa e ir até sua loja, ainda é o grande segredo para se defender de alguma maneira do que vem acontecendo, diz o especialista. “Um ambiente atrativo ou confortável, atendimento acolhedor e facilitador na hora de resolver problemas, entre outros aspectos, é o que faz a diferença na hora de escolher comprar com você ou através de um aplicativo ou site, por exemplo.”
PARA GANHAR ESCALA
De um lado, a praticidade de pedir algo por aplicativo. Do outro, o aumento da expectativa pela entrega, que subiu: se ainda esperar uma hora por uma pizza parece normal para alguns negócios, qual é o consumidor que ainda esperaria 20 minutos por um táxi?
A resistência e a dificuldade de inovar, segundo Camargo, fez os pequenos lojistas hoje se tornarem refém das inovações e aplicativos de terceiras - muitas delas startups, e com muito menos tempo de mercado do que eles.
“Não à toa, muitos desses varejistas veem serviços que trazem vendas, mesmo que cobrando taxas absurdas e até mesmo abusivas, como um 'mal necessário'”, afirma. “Mas só é necessário hoje porque não se fez nada antes.”
Mas dá para o pequeno varejo tirar proveito disso. Com os marketplaces, por exemplo, que são mais um canal de vendas online para quem começou com uma loja física, segundo o especialista: afinal, é um serviço que pode trazer escala e fazer o lojista vender para consumidores ou locais que ele nunca imaginaria.
“Porém, a loja física deve ser o foco onde concentrar esforços em atender bem e cada vez melhor, para ajudá-lo a se consolidar no mercado e se diferenciar de concorrentes puramente digitais.”
GESTÃO É TUDO
Para continuar na briga pela competitividade, hoje, mais do que nunca, é preciso excelência na gestão e operação dos negócios, segundo Camargo. Sistemas que ajudam a provisionar o melhor estoque, ou calcular melhores preços, se tornam grandes aliados.
“E se contratar um sistema de uma grande empresa ainda é visto como sinônimo de alto custo, há a opção de contratação de startups e pequenas empresas que oferecem serviços mais baratos (e até gratuitos em alguns casos), focados no tipo de negócio do qual sua empresa faz parte.”
Mas o apoio das grandes também pode ser valioso para os pequenos nesse novo modelo de gestão – a exemplo do chinês Alibaba e da Amazon que, segundo Camargo, prometem um choque no mercado quanto às expectativas de comprar e receber em até 30 minutos, criando ecossistemas de negócios ao invés de meras plataformas de venda.
Ambos, inclusive, já anunciaram planos de criar centros de distribuição por aqui, e até mesmo a possibilidade de serem potenciais compradores dos Correios, caso ocorra a privatização, afirma.
No Brasil há cases que já se aproximam desse modelo de ecossistema - como o Magazine Luiza, segundo o especialista,mais adiantado nessas questões e é um modelo disso. Mas também há outros que passam a oferecer meios de pagamento, crédito e distribuição para conectar pequenos negócios, como o Mercado Livre e a B2W.
“Há outros bons cases de varejistas se digitalizando de forma incrível, como a Pernambucanas, ou até mesmo a Amaro, que já nasceu omnichannel, tal qual o termo hoje tão utilizado”, diz Camargo. “Não é preciso dizer que tanto Alibaba quanto Amazon ainda operam de forma tímida por aqui, mas a qualquer momento podem se tornar players tão fortes quanto em seus países de origem”, sinaliza. Bom para todos - mas melhor ainda para o pequeno varejo.
FONTE: Diário do Comércio por Por Karina Lignelli 06 de Janeiro de 2020 às 07:00