Empreender em meio à crise pode ser mesmo um bom negócio?
Muitos profissionais enxergam nas franquias uma oportunidade para gerar renda, mesmo em um cenário recessivo. Mas é preciso ter cuidado para não correr riscos
Após 18 anos como empregado, João Paulo vai usar o dinheiro da rescisão para diversificar “na vida”. O casal Frugis, por sua vez, busca uma segunda fonte de renda, já que um dos cônjuges está há cinco anos fora do mercado de trabalho.
O autônomo Alexei decidiu usar sua “antiga reserva para eventuais problemas” para investir em uma nova oportunidade de ganhar dinheiro. Já as irmãs Aline e Brunella querem ampliar os negócios para se tornar “um ponto fora da curva” da recessão.
Um público de perfis diversificados -mas no fundo, com o mesmo objetivo – lotou os corredores da Expo Center Norte na última edição da 24ª ABF Franchising Expo. Realizada na última semana de junho na capital paulista, a feira recebeu mais de 64 mil visitantes e contou com 480 marcas expositoras nacionais e internacionais.
É fácil entender a razão. O segmento de franquias, que prevê repetir o crescimento de 7,7% em 2015, tem sido um dos mais procurados para investir e gerar renda neste complicado cenário econômico. De acordo com o levantamento recente da Endeavor Brasil, três de cada quatro profissionais entrevistados dizem que preferem empreender.
"O franchising oferece oportunidades de expansão, com produtos atraentes e formatos que facilitam essa opção para pessoas que querem realizar o velho sonho de ter o negócio próprio", afirma Juarez de Paula, gerente de varejo do Sebrae Nacional. “O suporte de uma franqueadora reduz os riscos para quem investe a poupança de uma vida inteira para se tornar empreendedor”, diz.
“Esse é o plano B em um cenário de retração mais profunda, a exemplo do que ocorreu em crises anteriores", diz Cristina Franco, presidente da ABF (Associação Brasileira de Franchising).
Mas há uma diferença entre empreender e franquear. O especialista Marcus Rizzo, sócio da Rizzo Franchise, afirma que, no primeiro caso, monta-se o próprio negócio. No segundo, busca-se um negócio pronto.
“Aqui, paga-se taxa de franquia para absorver o know-how de quem já fez, errou e agora vende os acertos", diz. Ou seja, antes de mais nada, é preciso avaliar em qual perfil você se encaixa.
O SONHO DE CADA UM
Na mesma empresa desde os 17 anos, o analista financeiro João Paulo de Faria, 35, demitiu-se há um mês. Acompanhado do amigo e futuro sócio, o advogado Leandro Prestes, Faria se interessou por franquias voltadas ao público infantil, como roupas ou máquinas de brinquedos da Mr.Kids, daquele formato estabelecido em supermercados e postos de gasolina.
“Sempre tive o sonho de empreender, só não tinha coragem. Mas precisava ‘diversificar na vida’, então decidi usar a recisão para investir em franquias. Me pareceu o melhor negócio, pois já nasce forte”, acredita.
Prestes, que decidiu embarcar no sonho do amigo, concorda: “Franquia é um negócio consolidado, muitas marcas se vendem por si. Em um cenário econômico duvidoso, permite apostar em nossa força de trabalho para continuar a ganhar dinheiro.”
Mesmo sem interesse específico por algum segmento, o casal de advogados Ana Paula e Antônio Carlos Frugis andava pela ABF Expo à procura de uma segunda fonte de renda. Com gêmeos de cinco anos, a advogada havia deixado a antiga empresa após 12 anos para cuidar dos filhos.
Quando saiu, guardou o dinheiro para futuro investimento. Agora, o casal decidiu que era hora de usá-lo.“Se ela voltar para o mercado, não terá uma remuneração compatível com sua experiência. Melhor arriscar assim”, afirma Antônio Carlos, hoje sócio de uma empresa de advocacia.
Ana Paula diz que está à procura de algo promissor, mas com menor risco. “Sempre tive sonho de empreender. Mas com a crise, é interessante ter uma estrutura por trás.”
Ana Vecchi, diretora da Vecchi Ancona Consultoria, afirma que, por duas vezes em que o mercado parou por conta de crises, nos anos 90 e após 2008, houve um grande crescimento do franchising.
Isso porque, muitos profissionais com bom histórico de carreira apostaram no sistema por refletir menor risco. Além disso, esses analistas e executivos podem agregar sua experiência ao negócio.
“É necessário ressaltar, porém, que se a transferência de know how possibilita o sucesso, por si não o garante. É preciso aprender a operar o negócio para adquirir experiência em um setor onde se pode ou não tê-la”, afirma.
UM INVESTIMENTO PARA SEMPRE?
Mas há quem tenha acumulado experiência em setores específicos, apesar de novato no franchising – caso das irmãs cariocas Brunella e Aline Moraes.
Ambas operam uma pequena empresa de terceirização de serviços há nove anos e atendem clientes do porte da Petrobras, Eletronuclear e condomínios residenciais. Mas, após a PEC das domésticas, passaram a ser procuradas por clientes atrás de limpeza domiciliar.
Então, decidiram diversificar. Na feira da ABF, se candidataram a uma microfranquia da rede Maria Brasileira – investimento de cerca de R$ 30 mil que deve dar um retorno “enorme” por profissionalizar o serviço, segundo Aline.
“A atividade não tem glamour, mas é um serviço essencial. Então somos vistos como referência. Limpeza não tem crise, e vamos ampliar o negócio para sair da curva da recessão.”
Outro exemplo é o autônomo Alexei Stuani, consultor imobiliário em uma grande incorporadora que também enxergou no franchising uma maneira de contar com uma segunda fonte de renda. Com a crise, decidiu investir a reserva que tinha feito para um eventual problema “para investir em uma oportunidade.”
Sua experiência anterior como professor de eletroeletrônica no Senai fez com que se identificasse com a Concretta, franquia de ensino profissionalizante em construção civil, à qual se candidatou. Se identificou tanto, que nem a queda da atividade no setor o fez desistir do sonho.
“Se há crise num ponto, em outros não há. Riqueza troca de mão, e o meu potencial cliente pode ser aquele profissional que quer se qualificar para voltar o mercado quando a crise passar”, afirma.
Lembrando que franquia não elimina os riscos, mas apenas os reduz, Marcus Rizzo afirma que é preciso ter cuidados na hora de investir a tal “poupança de uma vida inteira” ou de não poder errar no investimento - principalmente em tempos de recessão.
Segundo ele, 64% das redes franqueadoras apenas vendem produtos para franqueados, 43% não têm unidades próprias e 34% têm zero de experiência quando lançam uma franquia.
“Converse com atuais e ex franqueados para avaliar se o que te oferecem é verdadeiro. Seja um investimento de R$ 1 mil ou R$ 1 milhão, é preciso se identificar com o negócio, senão vai dar errado, não importa se o mercado está em alta ou em baixa”, dá a dica.
GAME EDUCA PARA OS NEGÓCIOS
Se das formas de ter uma trajetória de sucesso em qualquer tipo de negócio é através da capacitação, a ABF e o Sebrae Nacional resolveram se unir para facilitar a entrada de empreendedores ou reciclar os que já são empresários do setor dessa forma
Com projeto “Franquias Brasil”, lançado em fevereiro último, as duas instituições já capacitaram mais de 2 mil alunos em 51 municípios espalhados pelo país. Até 2016, serão oferecidos 337 cursos “Entendendo Franchising” em 120 cidades que, além dos conceitos, abordam aspectos legais e vantagens e desvantagens do sistema.
Mas a grande novidade lançada na ABF Expo é o game Franquias Brasil. Composto por seis jogos online, o viral ensina a simular o dia da gestão de uma franquia.
O game é gratuito, e pode ser acessado junto com a programação de cursos no site da ABF ou do Sebrae, e está disponível também para sistemas iOS e Android (para smartphones e tablets).
A ideia é levar capacitação com capilaridade para todo o Brasil. “A abertura de uma franquia pode envolver menos risco, mas mesmo assim os empresários precisam de apoio para fazer a gestão correta da empresa”, diz Juarez de Paula, do Sebrae.
Cristina Franco, presidente da ABF, afirma que as duas iniciativas – principalmente o game de educação à distância – ajudarão a atingir um volume de capacitação sem precedentes para disseminar as boas práticas do franchising. “Nossa meta é capacitar 10 mil pessoas em 2015”, finaliza.