Estresse do empreendedor: uma doença silenciosa
O estresse não poupa ninguém. Saiba porque os empreendedores têm um motivo a mais para se preocupar
O empresário Guilherme Cerqueira tinha apenas 26 anos quando se viu “à beira da morte”. Uma fibrilação atrial aguda levou seu coração a absurdos 300 batimentos por minuto em repouso – 200 batimentos por minuto é o máximo que se espera de um profissional de atletismo durante um campeonato. Na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), foram apenas dois dias, mas levou alguns meses para que ele soubesse o que causou a síncope: o estresse.
O momento de Cerqueira não era dos melhores – recém-divorciado e com um filho de dois anos, ele estava apostando todas as fichas no seu segundo empreendimento, já que o primeiro havia fracassado. “Aconteceu comigo o que acontece com todo empreendedor: você ousa e abrir um negócio, mas quando tem família e os filhos, a aventura de empreender fica mais preocupante.”
O período não era dos piores – não havia os agravantes como uma forte desaceleração econômica ou uma recessão iminente como neste duro 2015. Na empresa, os negócios iam bem, mas isso não era suficiente para que Cerqueira se mantivesse tranquilo. “Havia os funcionários a família, enfim, muitas pessoas que dependiam de mim. A pessoa fica ansiosa, não tem jeito”, diz. “E o ansioso não sabe que não está bem até que alguma coisa muito séria aconteça
“Quando a empresa vai mal, a pressão é para o negócio melhorar. Mas quando está tudo caminhando, a gente também se pressiona, porque não quer recuar, não quer perder o que conquistou”, conta Cerqueira, hoje aos 34 anos, à frente da QuestManager, empresa desenvolvedora de pesquisas de satisfação do consumidor. “É uma enorme responsabilidade.”
Cerqueira não está sozinho. Segundo os últimos levantamentos da Organização Mundial da Saúde, divulgados em 2012, cerca de 90% da população sofre com o estresse. Em 2013, o Instituto de Medicina (Institute of Medicine, dos Estados Unidos) publicou uma pesquisa em que apurou um custo de US$ 5 mil por ano para cada empregado– incluindo perdas com licenças médicas, absenteísmo, tratamentos, entre outros.
Não se trata de uma tensão aqui ou um nervoso lá. O estresse é um mecanismo fisiológico disparado diante de situações de perigo – nos tempos das cavernas, foi ele que salvou nossa espécie da total extinção. Com a adrenalina em alta, o estado de alerta faz com que o humano tenha medo e procure fugir do risco.
Atualmente, não é preciso ter um mamute no seu encalço para que se sinta ameaçado. São tantas decisões para tomar, informações para absorver, faturamento para crescer, empregados para cuidar, entre outros, que não é nada difícil se perder em meio a tantas responsabilidades. Com o caos mental instalado, o estresse é inevitável.
ESTRESSE DO EMPREENDEDOR: PRÓS E CONTRAS
Melissa Cardon, da Pace University (EUA), e Pankaj Patel, da Ball State University (EUA), resolveram investigar as diferenças entre o estresse do empreendedor e do empregado. Foram a campo acompanhar a saúde de 688 funcionários e outros 688 empresários.
As manifestações fisiológicas do estresse, como a pressão arterial, por exemplo, são muito parecidas – em intensidade maior nos empreendedores. No entanto, os estudiosos chegaram à conclusão de que o gratificante retorno positivo do sucesso de uma iniciativa empreendedora, na maior parte das vezes, cala uma boa parte dos efeitos danosos do estresse.
O mesmo não acontece com o empregado, já que seu envolvimento com a empresa é bastante diferente. A recompensa pelo esforço e pelos sacrifícios pessoais realizados está no salário que, aos olhos do funcionário, não parece compatível com o tamanho das responsabilidades assumidas. O sucesso do negócio não é um sucesso dele próprio e o salutar efeito compensador ao ver a empresa evoluir não vem com a mesma intensidade.
O psicólogo Armando Ribeiro, coordenador do Programa de Avaliação do Estresse da Beneficência Portuguesa de São Paulo, ressalta no entanto, que este efeito compensador sentido pelo empreendedor é causado por uma espécie de máscara de dopamina, o neurotransmissor da satisfação.
Com a evolução positiva do negócio, o empreendedor se sente satisfeito – a alta dosagem de dopamina acaba ocultando os efeitos do cortisol e da adrenalina, responsáveis pelo estresse. “Esse desequilíbrio químico acaba cegando o empreendedor – ele não percebe os sintomas de estresse até que uma grande frustração apareça”, diz.
Por isso, uma iniciativa empreendedora fracassada, então, tem efeito devastador. “Quem falha na iniciativa empreendedora tem um sentimento similar ao da morte de um ente querido”, diz a pesquisadora Melissa Cardon em entrevista exclusiva ao Diário do Comércio. “É um profundo sentimento de perda e tristeza.”
O sucesso também causa estresse – as decisões acabam tendo mais peso, a responsabilidade aumenta e as expectativas também –, mas Melissa entende que o fracasso é um desestabilizador mais potente. A forma como o empreendedor lida com o assunto, bem como a antecedência com que ele se percebeu fracassado, faz toda a diferença no tamanho do impacto do estresse sobre a saúde do indivíduo.
Ainda faltam pesquisas para entender se é a dopamina que mantém tantos empresários firmes mesmo após alguns fracassos, mas vale lembrar que este estado de alerta tem seu efeito positivo. “Nem todo estresse é ruim. Ele é o responsável pela motivação, pelo foco, a capacidade criativa e também o desempenho da memória”, ressalta o psicólogo Armando Ribeiro.
No entanto, o ser humano não consegue permanecer nesse estágio positivo por muito tempo. Após horas de esforço, o cérebro literalmente cansa. Com o córtex pré-frontal, responsável pela racionalidade, em estafa, as decisões tomadas pelo empreendedor começam a ter caráter emocional. “Quando eles tão perdidamente apaixonados pelo projeto, acabam ignorando as análises mais racionais dos riscos que envolvem o negócio ou o mercado”, afirma Melissa.
A ARTE DE ADMINISTRAR O ESTRESSE
De fato, não é fácil administrar o estresse e o envolvimento com o trabalho. Encontrar esse caminho do meio é um dos grandes desafios de todo empreendedor.
Antes de mais nada, é fundamental se antecipar ao estresse. A velha tríade exercício-alimentação-sono continuam sendo a base da mente sã no corpo são. No Programa de Avaliação do Estresse da Beneficência Portuguesa de São Paulo, o psicólogo Armando Ribeiro recebe dezenas de empreendedores. Todos eles já possuem doenças instaladas e o tratamento acaba sendo paliativo em vez de preventivo.
Para Guilherme Cerqueira, foi necessário ir aos limites físicos para entender que o obstáculo era emocional. “Sempre levei o negócio uma responsabilidade exagerada, priorizei a empresa a tudo na minha vida”, diz. Ele, que chegou a dormir em rodoviárias para não perder o horário de reuniões, teve de mudar de hábitos e entender que é necessário desligar-se do trabalho que a empresa caminhe com eficiência.
“Aprendi à força que um negócio não fechado não significa fracasso. No hospital pensei que se eu morresse ali, minha empresa seguiria, meus sócios arrumariam outros sócios, os funcionários teriam outro chefe e tudo seguiria bem”, diz. “Mas meu filho não teria outro pai, meus pais não teriam outro filho no meu lugar. Hoje não troco a festa de aniversário do meu filho por uma reunião com cliente.”
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A psicóloga Regina Silva, à frente do centro de desenvolvimento humano Gyraser, cuida de casos como os de Guilherme Cerqueira diariamente e vê claramente o erro padrão dos empresários: ter toda a sua energia concentrada nos negócios. “Ter outras atividades não é um paliativo para o estresse, é uma necessidade”, afirma. “A pessoa vai se sufocando e ela precisa ter em mente que a vida não é só a empresa.”
Para minimizar o risco de estresse, Regina aconselha procurar os fatores motivadores, para que não se crie “expectativas irreais sobre o que é ser dono do próprio negócio”. Se o empreendedorismo foi uma busca pela qualidade de vida, não deixe isso se perder em meio às projeções de faturamento. Por outro lado, se montar um negócio foi um jeito de ganhar mais dinheiro, lembre-se de priorizar os resultados. A parte boa de ser um empresário está em colocar no centro do seu projeto de vida aquilo que, de fato, te faz bem.
A parte mais difícil desse processo é conhecer o próprio perfil. Para isso, Regina sugere a utilização das oito âncoras de carreira, cunhadas por Edgard H. Schein, autor do livro Identidade Profissional. Essas âncoras identificam quais as maiores motivações do empreendedor para o trabalho e, com isso, ficam reduzidas as chances de uma “frustração com a atividade”, como diz a psicóloga.
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“Tudo o que desestabiliza um ser humano tem a ver com a prática de algo que não se encaixa a com o seu perfil”, diz Regina. “Quem valoriza a autonomia, por exemplo, não deve abrir uma franquia, já que é muito limitante do ponto de vista criativo e administrativo.” O mesmo serve para quem gosta de criar projetos novos – depois de estabelecido o negócio, o empreendedor perderá o interesse.